domingo, 29 de julho de 2007

FOLIAS

1
CELEBRAÇÃO

Pesa o tempo
sobre a palma da mão

cônico

pesam as horas despidas
de seus andrajos

e o gesto

entre antes e depois
da palavra.

Pesam todos os murmúrios
o semicírculo dos olhos
e a língua espargindo o desejo.

Param todas as vozes e te ouvem.
Beijas o sal dos lábios,
a tua sede pronta.

O vértice de tua espera,
a alongada face
de teu mistério.

2/01/2002 – 14h28

2
A PALAVRA

A palavra busca o silêncio,
não precisar mais ser dita,
enquanto vibra.

Nada busques.
Nem o olhar que me vê.

Fundo em ti o teu silêncio,
as coisas arqueadas
e puras, sob um véu gasto
de azuis passados.

Será o mesmo silêncio cavo,
côncavas mãos postas,
escorrendo os nós do rosário,
gotas de tua aflição autêntica.

Esperei por demasiado tempo
o fruto amargo adocicar-se,
romper a madureza
de sua casca e verter
seu líquido espesso
de espera.

3/01/2002 – 18h00

3
TARDE

azul de uma tarde
sobre o azul de outra tarde,
como lábios sobre lábios e corpo sobre corpo,
mesclados no cinzento negror de uma noite
que silencia.

ébano tácito e lânguido,
o frescor de teu beijo
sobre o meu.

7/01/2002 – 14h06

4
O QUE É AMOR

assim te amo à distância.
amor não precisa ver.

quem amo não sei quem é.

teu amor me toca com mãos de cítara

me embala como redes na varanda

me toma com delírio e calma.

meu coração não arde: ama.

ninguém o ocupa.

te ouço. porque és belo.
porque me falas.
porque és.
e nada mais és
senão quem amo.

9/01/2002 – 22h51

5
PENSO, LOGO...

se meus dias fossem iguais
me trariam apenas horas sucessivas e amenas
derramando-se sobre o tempo estático e informe.

mas o tempo me elabora
a toda hora me perscruta
a me inverter os sentidos
sacudir os símbolos
encher de palavras o silêncio absurdo.

absurda é a hora que passa
para me dizer o que não sei
e não ouço.

abandono ao relento
o que não possuo.
não sou.
portanto, não passo.

10/01/2002 – 9h21

6
EMBRIAGUEZ
Ser infinitas palavras.
Não precisar de nenhuma.
Afonso Henriques Neto

Se me embriagasse
de tua certeza, o que
viveria fora de mim?
O comum, o óbvio, o naïf.
A escolha antecipada
de teu olho.
A causa célere de teu motivo
emerso, rês desgarrada
de meu pensamento,
frias mãos calejadas.
Nada teria nem saberia.
Fomos.
Ao mesmo tempo, não.
Restou outra face
e tua voz.
Que bocas me sorvem
sem que saiba o sabor?
Tua oração se repete.
Toda as palavras em uma:
Deus.

10/01/2002 – 20h30

7
AMOR VIS-À-VIS
E é claro, claríssimo,
verdadeiramente indiscutível,
que te amo muito.

M.A.

Quanto amor espelha-se na alma,
como reflexos de nuvens sobre a água,
carregadas pela brisa ou pelo vento,
deslizando sobre a claríssima plumagem.

Que amor que não peço e me dás,
como gesto irrefreável de teu instinto,
fome e sede que me consomem,
como sonho, paisagem ou pressentimento.

Nada é certo. Tudo é vário.
E nossos seres se contraem
e oram a canção inaudível
do contentamento.

15/01/2002 – 13h12

8
ABISMO

Conheces o abismo.

Me precipitas
onde me assombro.
Tua túnica,
teu sêmen.

Visto teu gesto
de alabastro.
Nada retiras do vazio.
Vozes.
Vãos.

Me acolhes num abraço.
Conheces o abismo.

Te precipitas
onde te assombras
em mim.

19/01/2002 – 00h03

9
AMORES PERFEITOS

Sabes do amor o fascínio e o tormento,
perfeito mosaico de teus traços,
te habita a torre próxima ao céu de teu desejo
e tua sombra transposta de outro tempo.

Favos, lábios que entreabres,
aquietam-se.
Vivos, deleitam-se por serem vagos.
Tua renúncia, o véu de tua voz,
silente rosto de teu ser amado.

25/01/2002 – 18h42

10
FOLGUEDOS

Serve ao olhar o sorriso
como servem suas mãos ao carinho.
Servem as palavras ao delírio
e o silêncio, ao sono.
Serve o tempo à espera,
as horas servem a si mesmas
e à tirania do destino.
Serve meu amor para auscultá-lo,
como servem para mim os seus beijos.
Na perfeita sincronia de folguedos,
não somos nada mais,
nada menos.

25/01/2002 – 19h05

11
MEIA-LUZ

Teu olhar procura,
por outras sendas,
o próprio caminho.
Teus olhos vislumbram,
esquadrinham,
veios tecidos na planta dos pés.
A voz na escuridão ecoa.
Brilham os olhos
toda luz que contêm.

28/01/2002 – 19h39

12
ORA, O MAR

poesia cheira a mar
mar de peixes sem fim
ora verdes oras azuis
poemas peixes assim

despes palavras sintagmas
versos vertidos em mim
ora fomos ora somos
tantos segredos assim

nada entendemos
nada fizemos de tudo
ora mortos ora vivos
porque somos assim

flutua entre as margens do rio
abre os olhos e exclama
ora ternos ora amados
sempre seremos assim

28/01/2002 – 21h19

13
REFÉM

reflito-te
terra imersa
fausto de luz
sobre a pedra
água e pranto
teus olhos
reféns.

29/01/2002 – 00h34

14
POEMA EXPRESSO, COMO CAFÉ
para Tavinho Teixeira

Talvez me sinta apenas nova,
refletida neste espelho de Narciso,
tão diminuta na imagem
que nem sei se sou eu.
Talvez esperasse por você a vida inteira,
como por Godot
e você nunca viesse.
Como ele não veio.
Mas você vem
e você é esse que tinge
as palavras de azul
só pra ficarem bonitas.
Seus poemas cercam a sonoridade das rimas,
desce pelo outro lado do sonho
e se instala onde antes havia pó.
Sua estrada é a serpenteada fala
de quem busca a liberdade nos passos
e nunca volta.
Adeus.
Seja novamente bem-vindo.

31/01/2002 – 3h39

15
A IMAGEM REFLETIDA
Oh! Venham meus amigos,
para que o silêncio se torne
mais abençoado ainda!

Marcio Anhelli

Que te abençoe este silêncio
que me povoa os dias,
cercando-me de cuidados nunca tidos.
Abençoe em mim a hora e a vida,
para que nunca faltem quando eu tiver partido.
Nunca deixarás de existir em minha alma,
pois tornaste-a tua.
Nunca deixarão meus olhos de ver-te,
porque tua imagem ainda se reflete em mim.

1/02/2002 –15h18

16
FOLIAS

resfrie seus membros na luz,
molhe seus pés na fonte que escoa,
seja a paisagem que o envolve,
mergulhe na senda, o caminho.
nade até suas margens
e fique à deriva de seu próprio mar.

2/02/2002 – 11h18

17
OLHOS

Toda luz cabe num único olho, diz Lorca.
Vemos os pequenos detalhes que compõem as coisas
e as redescobrimos ao destacá-las do resto.

Sem elas, não seriam as mesmas
nem nós, as mesmas pessoas,
como tudo o que fazemos
é parte de nós.

A poesia vem em ondas
e inunda vales ressequidos.
A vida ressurge onde nada havia.

O melhor vem com a poesia.
Olho que colhe toda a luz do mundo.

2/02/2002 – 11h41

18
SILÊNCIOS EFÊMEROS

Colecionamos silêncios
horas tortuosas
vertendo rimas

o afago sobre teus cabelos
as mãos úmidas de teu sexo

razão alguma para permanecer
impávidos

apenas vivos.

3/02/2002 – 1h50

19
O AUSENTE

És mais belo
imóvel
mas se te moves
exalas
teu odor de carne.
Fremes
e tua mão toca
o longo corpo da noite.
Logo a manhã irrompe
as tênues faces
que te distanciam
como verbo
ausente e dócil.
Nada se move
e só tu respiras.

5/02/2002 – 3h00

20
VIÇO

Em teu colo
o viço de horas
a fio

membranas de tuas escamas

peixe fugaz
nadas
para dentro dos mares
selvagens
ramagens aonde não vais.

Vens
e por isso me deténs
o mar saciado
de suas ondas
em mim.

11/02/2002 – 5h51

21
TE PRESSINTO

Te pressinto
sem fôlego,
vasto vórtice
de teu encanto,
voz sempre tua,
movimento de tuas asas
em vôo.
Jamais serás outro,
esquecido de ti mesmo,
tua máscara,
teu hálito.
Repensarás o verso,
calma de teus mares
mais íntimos,
por onde me navegas
e me descreves
teus arcos silentes.

14/02/2002 – 23h15

22
NOVAMENTE

Novamente vens.
Te ergues acima de ti mesmo
e paras à meia altura
de um salto.
Desistes.
Serei qualquer outra além de mim.
Não me importam as perdas.
Reteremos a surpresa
a um passo.
A meio gesto.
Antes do olhar.
Aceso.
Antes do sono
chegar.

17/02/2002 – 00h50

23
TECER

Tece enquanto
escorre a seiva
o mesmo rosto
que conheces e deixa
que teus olhos
se fechem em mais
uma manhã
anterior a tudo.
Verás para teu espanto
o que sou
porque fui eu
a te acompanhar
tanto tempo
por nenhum motivo
e todos que nunca
te disseram.
Despede-te de mim
e me abraça
até nunca mais.

17/02/2002 – 1h15

24
TER-TE

Aceito teus beijos,
como quem aceita um óbolo.
Um agrado, um gesto,
uma carícia, uma sede.
Aceito teu amor
como quem ceifa a tempo
e guarda todos os frutos
para seu senhor.
Aceito-te na amplidão
de teus braços,
no conforto exíguo
de uma noite breve,
mas que perdura
sobre a pele
por muito mais tempo.
És o sono que tenho
agora e ter-te
me revela
novamente.

19/02/2002 – 13h41

25
AMPULHETA

porque me encerras em uma caixa de sonhos
deslizo pelo gargalo da ampulheta
e me dissolvo na areia de teus olhos
aspergindo as gotas de meu suor
sobre teu rosto emerso.

porque me tens onde não te posso ter
e me esperas no vazio toda noite
vivo de presságios e esquecimentos
por não restar em mim nada mais
que tua voz e teu gosto perdido.

verás em teu silêncio meu desespero
o visgo amargo de tanta espera
retardando-se em outra página escrita
quanto mais nos restar de tempo.

19/02/2002 – 14h14

26
DO AMOR

Do amor, tenho a face,
as mãos e o colo,
onde correm rios
e aridez sazonais.

Do amor, tenho os olhos,
que vêem além das vestes
o que se oculta na carne.

Do amor, não há receio.
Apenas vemos o que é
possível ver.

21/02/2002 – 00h50

27
DORES DAS NOITES
para Tavinho Teixeira, novamente

I

Teu repente me atravessa o verso
lança foice espada cutelo.

Em teu verso se espalha
o mel que fabricas no escuro
favos de lua precipitada sobre os lagos.

Mordes os lábios e me dizes
teus prazeres, teus deleites,
as dores perdidas nas noites,
tua voz que grita,
sussurro de tua fala,
olhos imóveis,
te esqueces ao relento,
porejando o orvalho
de teus jardins maravilhados.

II

Desces ao inferno de Dante,
Beatriz não te acompanha. Estás só.

Teu descaminho te ocupa as entranhas,
o labirinto de Minos,
cabelos de serpentes,
o olhar no espelho, petrificado.

23/02/2002 – 22h04

28
ÉDIPO MENINO

Sem o colo de tua mãe,
vives a apascentar ovelhas,
refúgio de tua alma.
Sem oráculos que te amedrontem,
vês teu rosto no lago,
flutuando na superfície do sonho.
Sem estradas que te levem,
ficas à espera do reino,
tua casa, côncavo desespero,
vigília de tua sombra, esteio.
Antes não se cumprisse o destino.

24/02/2002 – 19h02

29
PERDIDA

Se me perdi,
sei que não vim
onde devia,
mas me chamaram
para mais perto
e me fizeram ficar.

Se não devia estar aqui,
talvez estivesse em outro lugar,
perdida, ainda,
mas pedindo para alguém
me encontrar.

Não sei quantas vezes me perdi.
Sei que segui em frente,
porque, por todos os caminhos
que fui, só consegui chegar.

25/02/2002 – 22h43

30
HABITAT
para Beatriz, no 11o. aniversário

Teu tempo
de diálogos mudos,
faces cinzas
e nenhum tormento.

Tens mais céus
e horizontes, nuvens
que caminham,
linhas mestres de tuas mãos.

Rompes os silêncios
e deles vertem manhãs.
Pássaros saem dos ninhos,
rios sempre correm,
peixes em suas bordas
instigam as iscas.

Tens o tempo e ele habita
tua carne, tua alma.

27/02/2002 – 00h56

31
POEMA PARA BEATRIZ

Ser feliz
é estar completo
de carinho.
Tudo cabe no coração.
O tempo que não te vejo
o olhar que aprendi contigo.
Sê sempre bela,
sê pequena e grande.
Se contigo aprendi a te amar,
aprenderás com o tempo
a ser mais feliz
do que já és.

27/02/2002 – 21h30

32
ESTE MAR

O mar me escuta.
Plange as cordas
vertendo em suas águas toda a vida.

O mar me abriga e me devora
lentamente sobre as pedras.

Lave em mim toda a demora
em que ainda hesite,
mesmo que não saiba por que choro.

Ergue-se o mar.
Sou nova para mim.

2/03/2002 – 11h57

33
MUITO CEDO

Tua medida
é o olho.
Tua sombra,
escolha.
Tudo que te faz
é medo,
tudo que te sobra
é cedo.
Ergue tua mão
e não tardes.
Fere a palavra
que deixas.
És a dor de não seres
outro
por mais que te sobrem
verdades.
És este.
E, tudo mais,
vaidade.

2/03/2002 – 12h16

34
ATENTO

Serão as coisas tidas
onde sempre existiram:
o momento antes do gesto
onde nada havia –
apenas o vazio aguardando
a mão.

Pedras murmurantes
de meus pensamentos móveis,
deslocando-se ao centro
do grande círculo.

Todas as esperas em uma.

Jobi, 3/03/02 – 4h50

35
MAIS AMOR

Há mais amor debaixo de tuas unhas
do que em toda terra lavrada.
Há mais amor nos beijos que não me dás,
do que em todas as palavras que escrevemos um ao outro.

12/03/2002 – 18h41

36
CAPACIDADE MÁXIMA

O máximo de amor cabe em suas mínimas possibilidades.

11/03/2002 – 15h32

37
O TEMPO E AS IDADES

Cada dia é um fardo que se carrega até onde ele nos leva.
Cada dia acontece com a lentidão ou a presteza dos minutos,
que não deixa de consumir em nós o que alimentamos no outro.
Recebemos o que damos e tudo que somos
coexiste na pacífica forma de sermos presentes e os mesmos.

12/03/2002 – 20h26

38
TE ESTRANHO

Estranhei tua ausência.
Nenhuma larva nasceu
de teu silêncio.
Resta, incólume,
a hora fria,
o dorso das mãos postas
e o movimento das árvores
ao vento.
A paisagem espera,
retida na fragilidade do hoje,
eterna.
Com longos horizontes
a desfiar a bruma.

16/03/2002 – 17h51

39
SE ME DETÉM

Se me detém
o teu encanto,
a fria mão perde o destino.
Hesita o gesto antes do apelo
e molha os lábios antes da sede.
Se me detenho ante teus olhos,
me vês por seres quem és.
Nada digo, pois nada sei
e o que espero não é meu.
Nada te dou que não tenha
nem me apresso para ver-te.
Mas se me tens,
te tornaste meu
porque quiseste.

25/03/2002 - 3h50

40
CULTURA
para Pedro Du Bois

Me ilumine
te cultuo
minha sombra
meteoro
teu anteprojeto
escalada.

Vive onde vás
vou onde estás
nada anda para trás.

Útil inutilidade
minha.
Te vejo
misto de demônios.
Tua face
cristal líquido
teus contornos.

Me veja
me cultue,
sê o umbral
de teu soluço,
não esmoreça.
Nada anda para trás.

26/03/02 – 22h50

41
TE PROMETO

Te prometi
minhas palavras.
Agora tens meu silêncio,
meu consentimento,
meu olhar.

Eis o cais.
A vida transborda outra vez
e anuncia a longitude
de tudo
e espero voltar a verter
as vastas ondas dos mares.

Eis a amurada.
A fronteira de teu pedido
e o princípio de outro cadafalso.

Vivo ainda o desvio.
O desafio, a firme mão a escrever
o verso.
A fina faca de teu alento.

Promete que serás
teu próprio destino.

26/03/02 – 23h26

42
NADA
para Ana Claudia Parodi

Nada.
Não erguerei a mão
nem farei outro gesto
que não me comova.
Nada direi
que não seja autêntico.
Me calo.
Espero que se formem
as frases para então
dizê-las.
Versos.
Fecho os olhos e os escuto.
Venham.
Assim espero que uma manhã
se rebele em palavra.
O mar.
Terei o mar como presságio
e descoberta.
Sempre novo, sendo antigo.
Sempre inteiro, íntegro,
vivíssimo.
Haverá mais poemas para a posteridade.
Assim.
Será a lavra de outra terra
que não semeamos.
Nômades buscando a permanência.
A eternidade passa por nós.

27/03/2002 - 4h29

43
O SILÊNCIO

Haverá silêncio
em teus espaços
para que as horas voltem
ao seu início.
Serás a mão que conduz
– não apenas a que separa.
Terás óbolos e festas
em teu ser
e em tudo serás absoluto
para o tempo
que é escasso.
Descansa teu braço
e espera.
Inicia outra vez
a viagem.
És este que se pergunta.
Só te responde
o caminho.

30/03/2002 - 1h07

44
PAISAGEM

Terei visto tua face
sem nenhum tormento
despida de seu futuro
e sua faina,
voltada para o ontem
que demora
e para o hoje
que nunca acaba.

Terei visto as mãos
que são minhas
e a paisagem que enverdece.

Teu olhar nunca passará.

E outras somadas a esta tarde
ficarão unidas ao tempo
como folhas de uma árvore
que nunca morre.

3/04/2002 – 14h05